Não sei ao certo como começou, mas me vi em movimentos circulares ou triangulares dentro da minha geometria de lar. Indo do quarto para o escritório, do escritório para sala e de volta ao quarto. Quando vi já era um recesso de uma semana inteira fazendo o mesmo movimento e tudo que eu fazia de produtivo havia de estar junto ao devaneio, mas não cabia a minha função social em tamanho imaginário brilhante. Minto, no início a minha profissão entrava, mas muito mais empolgante e relativo ao que imaginava que seria antes de ser e, aos poucos, foi largada, se diluindo, afinando e virando uma pequena parte de uma grandiosa vida imaginária e que fora deixada para trás. Foram lapidação de dias para chegar na perfeição imaginativa que me levaria ao êxtase. Comecei com algo mais próximo ao eu e aos poucos distanciava do que de fato era meu mundo.
Em meio a tudo lá se foram 2 pacotes de fumo e mais de 80 sedas para acompanhar os diálogos fantásticos e nada palpáveis ou possíveis. Parava para fingir normalidade sã e aterrava quando alguém real aparecia, ocultando o cheiro de velho do tabaco na casa que residia a pia que só não era a mais empilhada de louça, porque tenho poucas.
A compulsão por comida foi substituída pela viagem mental e a nicotina e quando me atentava a hora já havia passado do tempo de comer, meu corpo tremia. A água era a da pia mesmo, porque a viagem até o filtro arriscaria a minha privacidade e eu perderia o fio da minha lógica ficcional completamente improdutiva. Apaixonei-me pelos envolvidos que são sempre pessoas existente, mas que jamais conheci e nem sequer sei como são de verdade. Apeguei-me ao ponto de sentir a dor do luto do sonho, pois a realidade chorava a minha atenção.
Não fui tão longe, só até Paris, mas gosto mais de Brasil. Rio de Janeiro é o melhor cenário para viver com os transeuntes e os protagonistas relacionais com quem jamais me relacionarei.
Naquele espaço era completa em tudo, grande, admirável e única, fazia a diferença. Ótima forma de fugir dessa mistura de insignificância frente a uma pandemia.
Aos que amava em sonho eu queria ser melhor, então buscava tudo que havia de bom em cada um para driblar, ciente da pouca eficiência de uma mente criativa e um corpo estático, que apesar de tudo ainda saia para ir à piscina se movimentar e pegar sol, visto que essa realidade era viável em meu cenário imaginário, assim como minha gata e minha nova vitrola. Sim, minha realidade é aproveitável. Já não me desfiguro tanto esteticamente em devaneios, só retiro alguns quilos e imagino um cabelo longo, mas sempre preso. As estranhezas, os traços do rosto, os pequenos defeitos eu deixo. As ideias de roupas, figurino seguem o que de fato gostaria de poder usar.
Como na imaginação a minha estética estava boa dentro da minha possibilidade de beleza, acabei largando-me do corpo físico e a cada xixi, dava uma passada no espelho e me via cada vez mais desgrenhada.
Perdi 3 freelas, fui longe demais e parei tarde demais para me preparar para o trabalho. Tudo isso em movimentos circulares e tabaco. Às vezes o círculo vinha acompanhado da capacidade vocal de Marisa Monte, que na criação era minha. A música era e é a única forma de atingir os lugares que eu imagino, mas também a intelectualidade, que é realmente a que eu tenho, mas que só posso compartilhar em sonho. Ali há um espaço de fala de toda a minha lógica vital, que jamais me foi dado. Entrevistas são as melhores para esses dizeres. A entrevistadora pergunta de tudo e de tudo digo, e faço não só na mente, como também falo sozinha e alto. Um lar todo meu me enche a alma possibilidade de ser do transtorno.
Precisei voltar e me conscientizar após uma ressaca gigantesca do devaneio e buscar ajuda. Mas fiz mais um pouco só para me despedir, queria num pouco mais de Zeca, meu romance imaginativo, perfeito, com o qual refiz a história 700 vezes após a nossa relação cair na rotina, que muito me agrada, mas é pouco criativa. Até relações imaginárias não escapam ao tédio E no tédio eu não conseguia imaginar o diálogo, não o conheço, tenho limitações para definir suas falas e personalidade, que em público já se faz polida e discreta, então me limitava ao final feliz, algumas entrevistas normalizando o nosso tédio como casal e refazia a história colocando um pouco mais de impedimentos para esticar meu transtorno, mas que sempre eram vencidos por esse amor de infância, limpo dos vícios, mas acompanhado de nicotina e movimentos repetitivos na realidade.
Fuga total do tumultuado de dívidas que me aproximam de merda nenhuma e nem ao menos um vislumbre de como saná-las.
São 01:01, acordarei cedo, escrevo pra fazer o luto, preciso da realidade para viver, mas a fantasia que me mata parece nutrir muito mais que tudo o que é palpável e real aqui e agora. Eu não sei o que me mata mais, se é o cigarro junto a uma alimentação largada que acompanham os lindos devaneios, onde existe qualidade de vida, cultura, agroecologia e saúde, ou a vida real que só sobrevive, que ocorre do jeito que dá, insossa, impossível, dolorida, cansada, solitária, sem possibilidade de viver o que se quer, pois ou a gente sobrevive na engrenagem ou morre no sonhar fora delas.
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