Ele tinha seis meses no contexto e já havia assistido ao espetáculo da vida acontecendo em segundos: o vento batendo nas folhas ao mesmo tempo que as formigas trilhavam seus caminhos, a gata pulava o muro e o cachorro tomava sol. Era óbvio que colocá-lo preso em uma cadeira, de costas para os cuidadores, encarando o cinza do banco do carro, parecia um castigo dos bons. Brinquedos e livros perdiam o brilho naquela cor de fundo e não o distraiam por muito tempo e foi impossível conter o choro desproporcionalmente grande em relação ao seu tamanho. Engoli molhado, respirei, e pensei rápido, motivada pelo desespero de quem morre de medo da direção e sabe da tamanha atenção que demanda e que já entendeu que o choro desestabiliza as pessoas. Peguei o celular, apertei naquele botão vermelho com play em branco e digitei: Super Simple Songs.
Play no primeiro vídeo, silencio, calma, sem muita paz interna, chegamos seguros.
O caminho durou no máximo 30 minutos, mas isso foi o suficiente para me deixar culpada por meses.
Não sei de onde vinha a culpa… Talvez fosse orgulho ferido por cuspir pra cima e cair na testa ou por saber dos riscos e ainda sim ter a certeza de que faria de novo. Mas sei que foi assim, inicialmente com culpa e medo, depois só com medo mesmo, que o super simple songs, show do Vander Lee (Oryah é muito fã do cara), kiss e ColdPlay se tornaram meus aliados. E é sobre essa parceria (bonitinha, mas ordinária) que eu venho falar hoje.
Segundo a OMS, crianças não devem ser exposta a telas até os dois anos de idade, nem mesmo de maneira passiva, como é o caso do meu filho. Depois dos dois anos o uso é liberado, mas com restrição de tempo. Em seus anos iniciais a criança deve estar sempre conhecendo o mundo real, interagindo, aprendendo a movimentar o corpo, então expor às telas gera um atraso físico e cognitivo. Além disso, a luz azul que sai das telas inibe a melatonina, que é o hormônio essencial do sono e existem estudos que associam o uso de telas a atraso na fala e pi pi pi pó pó pó ( Acho que fui muito exposta às telas, ein?)
Sabendo de tudo isso, por que eu insisto em deixar o meu filho ter acesso às telas?
A resposta é simples: porque é essa vilãzinha que garante a mim um pouco de dignidade desde que o meu filho nasceu ( só usei a partir dos 6 meses, mas vou deixar assim por questões estilísticas). Ela que me permite uma refeição sem interrupções, um cochilo de 10 minutos quando a noite foi punk; fazer cocô, xixi, beber água, trabalhar um pouco, estudar um pouco, lavar a louça empilhada a dias ou tomar fôlego quando a minha paciência está querendo ir para o espaço. E esses espaços de tempo que muitas de nós, mães, não temos, deveria ser o mínimo garantido para exercermos a função materna, mas como não é a realidade de boa parte das mães ( se não a maior parte), esses recursos se tornam uma questão de SOBREVIVÊNCIA.
Enquanto professora acompanhei de perto os malefícios das telas nas crianças e acredito que essa campanha contra o abuso deve ser intensificada cada vez mais. Elas geram medo, o medo gera estado de alerta e cuidado. Não está tudo bem deixar uma criança o dia inteiro em frente a uma tela, não está tudo bem uma criança ter acesso livre a um celular! Mas acho que essa campanha deveria vir acompanhada de outras como: engajar a sociedade no cuidado à infância; conscientizar que a criança não é problema da mãe e que a gente deveria fazer uma educação de aldeia, conjunta; acabar com a normalização da exaustão e culpabilização materna e da insuficiência e ausência paterna; abertura de mais vagas em creches públicas, preservação da natureza, criação de parques e áreas de lazer etc.
Devido a minha reflexão sobre esses pontos, sobre o lugar da mulher na sociedade e outros assuntos complexos, hoje faço o uso das telas sem culpa. Mas como disse no início do texto, não é sem medo. Então vou conta aqui para vocês como eu faço para mediar a relação do meu filho com as telas:
1º- Oryah só tem acesso a conteúdos musicais. Como disse lá em cima, o que ele assiste é super simple songs e shows.
2º- Defini o tempo de uso em, no máximo, duas horas e apenas no período da manhã. Isso não significa que todos os dias eu coloco o meu filho na tv por duas horas, até porque não sei se ele aguenta ficar mais de 30 minutos assistindo algo. Defini o turno como sendo pela manhã, pois é o horário em que eu mais preciso e o período no qual ele não dorme mais, bem como acaba afastando a possibilidade de atrapalhar a soneca e o sono noturno.
3ºMesmo expondo quase diariamente, por tempo limitado e em horário limitado, não faço disso uma rotina. Muitas vezes ele fica brincando por até uma hora sozinho ou aparece alguém para ajudar e eu acabo ficando mais tranquila e, nesses casos, não sinto a necessidade de ligar a TV. Então só faço isso quando eu preciso.
4º Tenho o privilégio de morar em um condomínio com bastante verde, com parque e ter uma casa com quintal, então compenso uso das telas com bastante atividade física e contato com a natureza. Todos os dias fazemos uma caminhada no sol, brincamos no quintal e com frequência vamos ao parque.
5º- Muita conversa, afeto e brincadeiras em casa para estimular a interação, a fala e o amor.
Apesar do Oryah gostar da TV, não percebi como sendo algo que o prende muito. Ele troca a tv pela mangueira do quintal facinho e, mesmo com ela ligada, gosta de brinquedos por perto, de andar, dançar e talvez eu acabe ficando mais tranquila por conta dessas reações. Mas acho que cabe a cada família observar a forma como a criança reage a essa exposição e ir calibrando o uso de maneira proporcional e possível.
Enfim, é isso! Exercer a maternidade de maneira consciente é muito desgastante, porque remar contra maré cansa, ainda mais quando estamos sozinhas na imensidão. Por isso é importantíssimo que a gente se permita pausar, mesmo que seja para ser um pouco “mãe de merda”, afinal, a certeza de que vamos errar a gente já tem, então por que não errar em prol da nossa saúde mental ?
Com amor,
Talita
A mãe possível.
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