Já começo dizendo aquilo que muita gente diz, mas temos dificuldade em entender: não existe manual. Todas as informações e sugestões colocadas aqui são elementos que eu considero cruciais para uma boa parentalidade e que flexibilizam para vários tipos de famílias. Sei que infelizmente, dentro da realidade social brasileira, que é de muita precariedade, esses pontos são de difícil prática. Mas eu confio que mudando o nosso discurso parental, mudando o nosso jeito de lidar com as crianças e adolescente, deixaremos um legado de transformação, que será tão naturalizado quanto a violência é hoje. Criaremos sujeitos empáticos, amorosos e respeitosos que terão mais força para transformar esse mundão.
Tendo dito isso, vamos às minhas considerações sobre o tema proposto: como ser uma mãe ou um pai melhor? Através da parentalidade consciente. Essa única resposta, entretanto, traz uma série de ações sobre as quais discorrerei no texto.
“Parentalidade” é relativo ao exercício de pais e mães, mas o que seria “consciente”? Vou começar primeiro dizendo o que não é. Não é ser permissivo, não é ser perfeito, não é estar sempre certo, não é falar de um jeito específico e robótico como sugerem algumas literaturas. Estar consciente é estar presente, é se auto-observar e ter atenção aos seus filhos, suas falas e expressões corporais. Essa tarefa é simples e ao mesmo tempo utópica em tempo integral, visto que vivemos em um mundo onde ganhamos por hora de trabalho e precisamos trabalhar muito para conseguir sustentar nossos filhos em suas necessidades básicas. Quando não trabalhamos, vemo-nos oprimidos nas obrigações domésticas que devem ser cumpridas de maneira ainda mais heroica devido a invalidação social, a falta de rede de apoio gratuita e paga e pressão de fazer valer essa escolha e uma série de coisas que cabem em um outro texto. Portanto, não é sempre que estaremos conscientes, mas é fundamental fazer o exercício de estar o máximo possível.
Dentro desse exercício da parentalidade consciente algumas coisas são fundamentais. Uma delas é reparar danos, saber voltar atrás quando errar e pedir desculpas. Somos imperfeitos, seremos imperfeitos, não estaremos conscientes e atentos às nossas atitudes a todo tempo; inclusive, Winnicot diz que esse movimento de ser imperfeito é necessário e é um grande alívio para os nossos filhos, que se sentem mais autorizados a serem falhos também. Mas algum momento precisa existir para que essa consciência dê as caras e a gente possa observar os nossos erros e fazer diferente no dia seguinte ou estar alerta aos gatilhos em uma próxima vez. A minha dica é ter sempre um espaço de pelo menos 5 minutos diários onde você possa pensar essas relações familiares e raciocinar as diferentes maneiras como você poderia ter lidado com alguma situação. Se possível, busque autoconhecimento e pense quais são os seus padrões de comportamento em determinadas situações, pois eles tendem a se repetir e isso entrega algo que você tem de trabalhar em si.
Um grande temor dos pais é gerar trauma nos filhos e eu acredito que ninguém passa ileso por um pai e uma mãe, mas o trauma só se instaura (falando aqui de maneira muito rasa sobre trauma, viu?) com a sucessão de atitudes agressivas. Gritar com um filho pode ser um evento traumático para ele, mas pedir desculpas, acolher, conversar podem fazer com que esse evento não faça morada como trauma. Vale ressaltar que as desculpas sem a mudança de atitude não serão válidas, ok?
É fundamental também que os pais exerçam a empatia e aprendam a validar as dores dos seus filhos, sem fazer comparações, pouco caso e chacota. A dor de uma criança de 1 ano é diferente da dor de um adolescente e a dor desse adolescente é diferente da de um adulto de 30 anos. Não são menores, são diferentes. A invalidação da dor das crianças fica muito evidente quando vemos uma quantidade exorbitante de vídeos tidos como de “comédia” com os pequenos chorando, sofrendo por motivos que para nós são considerados pequenos, mas que para a criança dói imensamente, pois ela é CRIANÇA e tem a maturidade emocional proporcional à idade. A falta de empatia também se dar por falas como:
“Você não sabe o que é sofrimento, vou te dar um motivo pra sofrer de verdade.”
“Não tem porque chorar tanto”
“Quando você for adulta vai ver o que é sofrimento.”
Se você não conseguir empatizar com a dor do seu filho, não tem problema, apenas silencie e ofereça seu colo e seu afeto.
Nessa esteira vale falar da importância de amar incondicionalmente o seu filho, filha ou filhe. Isso significa permitir tudo? Não. Isso significa nunca brigar ou reclamar? Não. Significa achar tudo lindo e maravilhosos? Não. Amar incondicionalmente é abraçar a totalidade do seu filho, até aquilo que você considera defeito. É respeitar as escolhas e decisões dele quando não couber mais a vocês decidir ou quando você abrir campo para que ele tome decisões. Estar sempre aberto para o abraço, mesmo quando a decepção for muito grande. Isso é muito difícil, pois aprendemos que para amar existem muitas condições e utilizamos o julgamento como uma ferramenta de sobrevivência nesse mundo. Além do mais, existe essa ideia fictícia de que as escolhas dos filhos dizem sobre o como fomos enquanto mães e pais e, apesar de termos o poder de afetar os nossos filhos imensamente, o mundo também educa, a individualidade existe e o livre-arbítrio e regra primeira. Então, encare como uma oportunidade para aprender a amar da forma mais pura e linda possível e de se livrar do peso do julgamento. O que nos leva ao próximo ponto:
Não espere amor de volta.
É importante não temer ser o adulto da relação e tomar decisões sobre a vida dos filhos. Você pode ter um diálogo sobre a sua decisão, mas às vezes você só não acha que determinada coisa é boa ou segura para seus filhos e “não é não” será uma reprodução sua. Eles podem te odiar e esbravejar todo o tipo de coisas, mas mantenha-se firme e aceite não ser amado e inclusive ser odiado. É importante se perguntar “por que não?” antes de negar algo? SIM. Mas a verdade é que às vezes tem uma coisinha metafísica que te empurra para o não. Quando acontecer respeite as reações das crianças, desde que não ultrapasse os seus limites e siga firme no seu exercício. Pais permissivos demais passam insegurança para os filhos e às vezes a sensação de que não amam e em alguns casos isso pode acarretar em uma série de atitudes impulsivas e arriscadas deles na tentativa de buscar a preocupação desses pais.
O último ponto e não menos importantes, na verdade esse deveria ser o primeiro, é o entendimento da contemporaneidade. Qual o cenário político? O cenário educacional? O que os jovens leem? Ouvem? Quais são as pautas atuais, as possibilidades que eles têm? Essa busca não é para você saber como irá controlar, mas o que é possível que chegue até você: questões de gênero, orientação sexual, transtornos psicológicos, drogas, política, sexo. É importante para desenvolver aproximação e criar repertório para as conversas, mas também pra saber com o que você pode ter que lidar e identificar quais são os seus possíveis pontos fracos para que você trabalhe em si mesmo antes. E se você é do tipo que diz:
“Filho meu não age assim.”
“Eu nunca permitiria.”
“Sou da igreja e isso não vai acontecer.”
Quero te dizer que esses ideias te mantém no lugar de pais do século XX, ou seja, te afasta demais da geração atual e isso impossibilitaria o trabalho do parentalidade consciente.
Não sei se ficou perceptível ao longo do texto o quanto a parentalidade consciente está relacionada com a nossa capacidade de nos tornarmos seres humanos melhores. As qualidades de presença, escuta, empatia, amor incondicional, estabelecimento de limites são práticas para a vida cotidiana e isso resume muito bem o que eu acredito ser uma relação saudável entre TODOS OS SERES VIVOS. Nunca fazer com o outro o que você não gostaria que fizessem com você, lembra desse clichê? Pois bem, você gostaria de ser forçada(o) a comer quando estivesse com fastio? Você ficaria bem apanhando só por ter acordado mais azedinha(o) e ter dado uma resposta atravessada para o colega de trabalho? Ficaria bem se seu companheiro gritasse com você o dia inteiro? Aposto que não! Portanto, lembre-se que existe um ser humano completo sob sua responsabilidade, que te tem como referência e precisa da sua amorosidade, respeito e reconhecimento pra enfrentar os duros desafios do mundo e que, no futuro, quando tudo estiver muito difícil e o mundo parecer cruel demais, ele vai se lembrar de que o amor, o respeito e empatia são sua base e ele saberá onde pode se recarregar deles.
Espero que esse texto tenha sido luz, assim como tudo que venho estudando tem sido para mim.
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