A linha tênue entre a permissividade e a educação respeitosa

Muitos companheiros de profissão estão relatando uma certa rejeição e demasiada desconfiança de métodos como a disciplina positiva e qualquer tipo de conteúdo que leve a uma educação respeitosa e empática. Ouvindo-os e também passando os olhos por comentários em posts do instagram, formulo que  existe uma sensação de que esse tipo de criação atrapalha a hierarquia da casa e coloca os pais em posição de submissão diante das vontades e desejos dos filhos.

Não faz o meu estilo lidar com essas opiniões distintas de maneira combativa. Prefiro antes empatizar e entender de que lugar esse discurso vem e ver se há como elaborar uma boa resposta. Tenho a impressão de que quando aprendemos algo, começamos a partir do princípio que todo mundo deveria saber daquilo, mas não utilizamos essa ideia para então levar a palavra aos outros companheiros e sim ficamos ressentidos porque eles ainda não atingiram o mesmo conhecimento, que também foi uma construção para nós. Enfim, perdemos a paciência e esquecemos que o discurso social em relação à infância e a criação de filhos não é respeitoso e é normalizado dessa forma e, até mesmo aqueles que já adotaram o novo discurso, muitas vezes reproduzem falas e comportamentos do antigo “mindset”. Então, é importante entender que a rejeição a esses novos formatos de condução da educação é compreensível. Não só porque é uma mudança radical de discurso, mas porque, de fato, a linha entre a educação respeitosa e a permissividade pode ser tênue e a minha intenção aqui é dar uma engrossada nela para que fique mais evidente a separação entre esses elementos a partir dos meus estudos e minha experiência com infância, adolescência e parentalidade.

 Por que a linha é tênue?

Porque tem muito espaço para interpretações errôneas e eu ouso dizer que essas brechas surgem pelo formato raso em que esses conteúdos tão complexos são apresentados. A educação parental tem sido um fenômeno crescente no instagram que é uma rede que não favorece em nada o aprofundamento de debates, pois são muitos conteúdos a serem consumidos, muitas distrações e um algoritmo que pede conteúdos de fácil e rápido consumo. Os educadores parentais, novos profissionais, ainda pouco reconhecidos no mercado, têm a plataforma como uma boa forma de divulgação de seu trabalho e, para conseguirem clientes, necessitam atender às necessidades desse algoritmo. A verdade é que mesmo que eles aprofundem, dificilmente todo o aprofundamento  irá atingir o público, que tem a sua atenção disputada com reels de cachorros fofos, bebês, comida, política e etc. 

Outro ponto a ser observado é o fato de que, na intenção da mudança de mentalidade,os profissionais tentam ser mais enfáticos em relação à conduções mais respeitosas  e pouco se traz sobre a situações de embates e conflitos  complexos  que acontecem entre pais e filhos; aqueles que envolvem valores, crenças e sombras. Em outras palavras: há muitas dicas de como conduzir o diálogo com os filhos de forma respeitosa, mas pouco se fala sobre o buraco mais baixo dessas relações e o resultado disso pode ser dividido em dois grupos:

1- o grupo  que desconfia, rejeita e se utilizam dessas brechas para a invalidação do debate;

2-  o grupo que tem a compreensão errônea da parentalidade não-violenta e que entende a condução respeitosa como uma forma de  evitar as frustrações a qualquer custo.

É muito comum que esses grupos sintam dificuldades em entender até onde vai o respeito aos desejos e vontades dos filhos e muitas vezes concluem que esse respeito se dá também pela permissão, o que não é verdade. Podemos muito bem respeitar os desejos e vontades dos nossos filhos validando a existência deles, mas sem necessariamente satisfazê-los. E, quando essas vontades não forem satisfeitas e as frustrações acontecerem, poderemos RESPEITAR e EMPATIZAR com elas, mas sem necessariamente abrir mão da sua decisão. Entende?

Vou usar uma metáfora para simplificar.

Uma pobre moça quer comprar uma mercadoria, mas não tem dinheiro para tal ato, então ela resolve pedir para a vendedora que, mesmo sentindo muita compaixão por aquilo, não vai atender a vontade da pobre mulher, pois ela sabe que isso pode acabar trazendo problemas entre ela e o chefe. A vendedora sente muito, mas não pode fazer nada pela moça. Se a pobre moça ficar chateada, a funcionária ainda sim não poderá fazer nada.

A pobre moça são nossos filhos, nós somos a vendedora e o chefe são as regras da sua casa, da sociedade, valores, crenças, leis, subjetividades e esses se modificam de acordo com a realidade da família, os valores, a cultura e a história. O chefe é o nosso LIMITE. E esse limite eventualmente entrará em conflito com os desejos e vontades dos nossos filhos e está tudo bem. Faz parte dessa relação alguns conflitos, desencontros e erros.

Mas como saber se esse limite é justo? Ou se estou sendo permissivo?

 As únicas pessoas que podem responder isso são os próprios pais. E nem adianta tentar dialogar muito com outras famílias, pois os valores mudam de acordo com a realidade e crenças de cada famílias. Por exemplo: 

Beber antes dos 18 anos é ilegal no Brasil. Isso é uma lei,mas a  verdade é que os jovens bebem, independente de qualquer coisa.  Alguns pais irão proibir sem discussão alguma,pois se é proibido por lei, eles também proibirão e vão fazer de tudo para que o filho não esteja exposto a isso. Outros irão buscar alertar os filhos sobre o porquê é proibido e os riscos do consumo de drogas e tentarão estabelecer um diálogo de honestidade para reduzir danos, conscientes de que não têm controle absoluto sobre isso. Outros vão chamar o filho para beber junto deles, pois já que ele vai beber de qualquer forma, pelo menos que faça por perto para eles observarem como ele ficará e não se importam muito como a lei agiria nesse sentido.

Nesses três pontos eu vejo sentido. São pontos discutíveis sobre um assunto extremamente complexo que é o consumo de drogas lícitas pelos jovens, que vai além dos quereres dos pais, pois é um sintoma social. Mas fato é que o risco existe em todas as três conduções. Os pais do primeiro exemplo caminham para um autoritarismo que pode levar a um afastamento dos filhos, rebeldia extrema e outras consequências ainda mais complexas a longo prazo. Enquanto os do segundo e do terceiro, apesar de não autoritários, podem ter mais brechas para a permissividade, que também possuem consequências negativas a longo prazo.

 A melhor forma de evitar a permissividade e também o autoritarismo, independente dos valores de cada família é ter esse limites bem estabelecidos e isso não significa que eles são empedrados como regras inegociáveis. Apesar de eles nascerem das convicções, devem sempre estar em diálogo com a contemporaneidade, flexíveis à mobilidade da vida e  ser olhados a partir do temperamento e personalidade das crianças e adolescentes, mas eles SEMPRE devem existir e serem comunicados aos filhos.

 Muitos pais partem do princípio que esse limites são óbvios, mas o não dito é que deixa as brechas.  Acho que esse  é um grande desafio para as famílias. Pois manter o diálogo ativo pode nos colocar em situações de desconforto, pode criar  clima e nos fazer enxergar aquilo que muitas vezes não queremos ver, além de, claro, necessitar de um tempo que nós, classe trabalhadora, não temos de sobra.

A partir do momento que esses limites estão sendo colocados, comunicados e dialogados, a permissividade ainda pode acontecer quando os pais não os levam em consideração, flexibilizando e mostrando pouca firmeza em suas convicções, e quando os filhos ultrapassam e desrespeitam, mas são protegidos das consequências naturais de seus atos.  

Vera Iaconelli  em seu livro Como Criar filhos no século XXI traz um ensinamento que encaixa perfeitamente aqui

“A insistência de jovens e crianças é proporcional à permissividade dos pais, pois o cérebro infantil não gasta energia em tarefas que não tenham alguma chance de dar certo.Conforme elas vão percebendo a consistência ( o quanto o limite é firme), coerência ( o quanto o mesmo limite se repete em circunstâncias similares), mais a criança vai se convencer de que não adianta espernear.”

Para finalizar, devo afirmar que a verdade é que não existe uma medida certa para nunca errar em nossas relações familiares. Os pais carregam uma responsabilidade gigantesca e a função de margear vidas que, ao mesmo tempo que precisam de espaço livre para serem vividas, precisam do controle de adultos com uma maior experiência para não serem levadas por equívocos irremediáveis. O equilíbrio entre essas duas funções não é fácil e dificilmente um pai ou uma mãe não passará do ponto em algum deles. Apesar disso, é essencial que a gente não tenha medo de exercer a nossa função, pois os filhos contam, mesmo que inconscientemente, com o cumprimento dela. A permissividade gera em crianças e adolescentes  a sensação de abandono e os leva a caminhos diversos que dependerão da  classe social, cor, gênero, temperamento e etc. Na dúvida, escolha EDUCAR com firmeza, mas sempre entendendo o seu filho como sujeito e não como propriedade privada.

Uma resposta para “A linha tênue entre a permissividade e a educação respeitosa”.

  1. Nossa, esse texto foi farol pra mim. Gratidão

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