É preciso saber antes de dizer?

Recebi a oração “ Não fala do que você não sabe.” como o cala boca do opressor, mas também normalizei oprimir e ser oprimida e entendi que a minha maneira de sobrevivência na selva seria o conhecimento.

Devorei livros e fui além da minha capacidade de absorção de informações para conseguir ocupar meu espaço, ter a minha voz validada e, ainda assim , nunca consegui. Primeiro porque ler muito, estudar, saber, pede tempo em solidão, então dificilmente conversava com pessoas além de mim mesma, os autores dos livros e os professores do curso EaD. Segundo porque uma coisa é certa: quanto mais  estudamos mais descobrimos que não sabemos.

Eu estudava querendo zerar um jogo que não tinha fim e me sentia ansiosa, não conseguia chegar a nenhum lugar, pois um conhecimento levava a vários outros e assim infinitamente. Quando engravidei, nada mais entrava na minha cabeça.  Aos poucos, conforme o meu filho foi sendo menos eu e mais ele, a necessidade de buscar um rumo e trilhar novos caminhos, guiaram-me novamente aos estudos. Já havia entendido que era importante buscar uma linha central e ir com calma nela, sem querer ser superficial em todos os assuntos. Já estava entendendo, após os dois anos de isolamento da pandemia, que o olho no olho e o bate-papo poderiam trazer inúmeros conhecimentos.

Com as eleições de 2022, toda a polarização e embates políticos, observei de forma mais consciente o quanto a fala “ não fale do que você não sabe.” ou o deboche quanto as gafes de quem talvez não domine tanto de um determinado conteúdo pode ser perigosa, não só por ser uma forma de deslegitimação e opressão, mas também como um cala boca que cria um muro gigantesco em uma relação que poderia se dar um diálogo pacífico.

Apesar de haver hoje uma enorme democratização do conhecimento, ele ainda não chega aos trabalhadores que trabalham de 8 a 10 horas e depois têm de lidar com filhos, família, fome, dívidas e uma série de feridas geradas pela ausência de um estado que deveria governar para o povo. Então essas pessoas não podem falar? Será que o que elas observam cotidianamente, o que elas experimentam como verdade e suas histórias não são material suficiente para que elas sejam legitimadas enquanto sujeitos que trazem conteúdo, que fazem conexões, que têm opiniões e críticas?

Como eu disse antes, o conhecimento é infinito e é impossível sabermos tudo, logo em algum momento todos iremos nos deparar com algo que não dominamos, certo? Então sobre isso jamais poderemos dizer? Então se eu não entendo de economia eu não deveria falar nada sobre? Nem mesmo sobre as análises materiais que faço cotidianamente enquanto vivo a minha vida?

Acendeu em minha mente uma lâmpada que, de certa forma, relaciona esse formato de opressão à educação de crianças e adolescentes por via do autoritarismo, da invalidação. Afinal, esses sujeitos são “verdes” na vida e possuem pouco ou nenhum conhecimento teórico sobre nada e até mesmo muito pouco conhecimento sobre a vida, então o que eles sentem, como eles sentem, o que pensam, muitas vezes é ignorado pelos pais ou é tido como “frescura”, “birra”. E é nesse processo que a gente os afasta e tornamos as nossas relações familiares disfuncionais e o mesmo acontece com a gente enquanto sociedade. É nesse processo que perdemos a nossa imagem refletida em nossos filhos  e deixamos passar a oportunidade do autoconhecimento

Longe de mim invalidar aqueles que estudam e que se especializam, mas precisava vir aqui pedir para que esse conhecimento se  torne laço e não uma arma para pipocar  afetos e desafetos. Que a gente aprenda a ouvir, debater, conversar e nos silenciar quando for preciso. Mas que também a gente tenha coragem de dizer, mesmo sem propriedade, porque é na palavra, no código, que a gente abre o portal para a conexão.

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